William Waack é nosso doloroso espelho branco!

Uma reflexão sobre William Waack e o que isso conta de nós, brancos. Em geral, quando existe uma ideologia ou opinião que é realmente rechaçada por uma sociedade (seja isso positivo ou negativo), as pessoas que as sustentam escondem isso de tudo que é jeito, para se proteger. E quando se expõem, é conscientemente, como forma de luta. Tipo livro sobre comunismo na época da ditatura ou homossexualismo no Iraque. O fato de Waack se sentir à vontade para fazer aquele comentário em pleno ambiente de trabalho, para uma pessoa que nem íntimo dele é, e com câmeras apontando para seu nariz, fala tanto sobre o jornalista em si quanto sobre o ambiente a seu redor.

 

Se ele fosse uma pessoa desiquilibrada, que fala coisas inadequadas sem se dar conta, até vá lá. Continuaria sendo horrível, mas de um outro jeito. Mas você teria um bando de pessoas sentindo vergonha alheia, e esse tipo de pessoa dificilmente seria um dos jornalistas mais bem colocados da Rede Globo. Para uma pessoa como Waack se sentir à vontade para falar isso, nesse contexto, é porque existe um ambiente minimamente receptivo.

 

Esse é um primeiro agravante. O segundo é que é muito difícil compreender como o ambiente de trabalho de Waack, que convive diariamente com ele, não tenha notado antes seu racismo. Novamente, se ele fosse do tipo membro de uma sociedade oculta racista, tentando esconder seus ideais, talvez (e bem talvez), fosse difícil perceber. Partindo da observação de que ele se sentiu a vontade para expor seu preconceito até com um estranho, me veem apenas duas hipóteses:

 

  • Justamente pelo ambiente de trabalho de Waack também ser, em diferentes graus, racista, o seu racismo fica invisível aos demais. Ele é normalizado a ponto de não ser percebido. Tanto que a denúncia aconteceu muito tempo depois, partindo de duas pessoas (e não de uma equipe inteira, sentindo-se constrangida).

 

  • O ambiente de trabalho de Waack é prioritariamente branco. E nós, brancos, por estarmos muito confortáveis em nossos privilégios, dificilmente conversarmos sobre nossos preconceitos. Pois eles afetam o outro, e não a nós. Até lamentamos o racismo, apontamos para ele “lá fora”, mas não sentamos para conversar sobre nossa branquitude e o que ela representa.

 

Eu ousaria dizer que é uma mistura das duas coisas. Eu sou coach, consultor e facilitador de processos conversacionais. Eu sei, por experiência de anos, que cinco minutos de conversa significativa são capazes de revelar muito sobre nosso olhar para o mundo. Apenas cinco minutos de conversa franca entre a Globo e Waack seria suficiente para tanto um quanto outro perceberem seu racismo implícito e ver o que fazer com isso – idealmente, buscarem uma retratação sincera e estrutural.

 

Eu sei disso na pele pois foi durante um curso meu que uma amiga pescou um comentário racista que eu e os outros participantes do curso estávamos fazendo. Alguma piada sobre Casa Grande e Senzala. Bastou ela dizer algo do tipo: “Se nossa consciência fosse outra, a gente não estaria fazendo esse tipo de comentário”, para um mundo de perguntas e inquietações surgir dentro de mim. Eu poderia ter me defendido, mas resolvi me abrir. E junto com isso, abriu-se uma cortina de percepções. Dei-me conta das duas coisas acima: eu reproduzia (e ainda reproduzo) preconceitos tão naturalizados que eu nem chamava de preconceito (e ficava bravo se alguém dissesse isso – só faltava chamar de mimimi); e eu não conversa, de verdade, sobre racismo e minha condição como branco com aqueles ao meu redor. Mas para quem estava um pouco mais alerta, como ela, o racismo que pairava em nossa conversa era nítido como o sol.

 

Nessa situação em que eu vivi, se um vídeo meu fazendo esses comentários vazasse, será que meus alunos e colegas de curso viriam rapidamente me atacar, como uma forma de se defender? Como se eu fosse um violão isolado na história? Ou será que eles dariam o passo a frente para dizer: se você, Guga, se sente confortável para falar isso entre nós, é porque nós todos estamos sendo receptivos, tanto por um racismo introjetado e normalizado, quanto porque a gente simplesmente não tinha noção, porque a gente NÃO CONVERSA sobre isso.

 

A gente não conversa e NÃO QUER conversar. Desde que comecei a publicar mais textos e informações sobre branquitude em minhas mídias sociais, eu comecei a observar um padrão interessante:

 

  • Fotos e mensagens sobre a gravidez e o nascimento de minha filha, Helena, bombam. Entre 150 e 500 likes, e dezenas e dezenas de comentários.

 

  • Mensagens edificantes ou de autoconhecimento, que fazem a gente se conectar com a espiritualidade, o amor, a poesia, pessoas heroicas (atuais ou históricas), têm impacto mediano – de dezenas a centenas de likes, e alguns comentários.

 

 

  • Mensagens sobre racismo, apontando o racismo “lá fora”, ou seja, mensagens que geram comoção para como o negro é tratado no Brasil e no mundo, têm algum impacto – certas mensagens chegam a ter umas poucas dezenas de likes, e alguns comentários. Um parte significativa, de amigos negros. Para mim, um indicador de que o racismo mobiliza o branco quando ele gera pena (que nós chamamos, entre nós, de “compaixão”).

 

  • Mensagens sobre branquitude (minhas ou de outras pessoas), convocando para nós, brancos, olharmos para nossa parte na estruturação do racismo… Cri-cri absoluto! Os poucos likes e comentários vêm majoritariamente dos amigos negros.

 

E mais interessante ainda: dos poucos comentários de amigos brancos, muitos são comentários ou sugestões de outros posts na linha “para você que está se estudando esse tema”. Como se fosse uma especialização minha, do tipo, “eu tenho um amigo que está estudando branquitude”. E não como se fosse algo que diz respeito a todos nós. Não se trata de uma linha de pesquisa, gente! Trata-se de cidadania básica, que deveria ser pauta para todos, e não só para alguns!

 

Nos chamados que fiz para estudar branquitude, a mesma coisa. Fiz chamados para montar grupos de conversa sobre branquitude em duas Redes da qual faço parte. Poucas respostas. E, nos dois contextos, a rede é composta de uma maioria absoluta de brancos. Se eu fosse um cara que naturalmente gera poucas respostas, faria sentido. Mas, no meu atual momento de vida e trabalho, eu tenho bastante resposta das pessoas, em muitos outros assuntos. Curiosamente, não nesse.

 

Não que eu esperasse que as pessoas achassem minhas propostas ou mensagens que compartilho o máximo. Mas, da mesma forma que vi acontecer em outros tipos de mensagem, considerando a importância desse assunto, eu esperava concordâncias, discordâncias, sugestões de outros olhares… até polêmicas! Mas não. Em vez disso, algo que quem é negro conhece bem (e há ótimos textos e vídeos de ativistas negros falando sobre o assunto). Em vez disso, o SILÊNCIO.

 

O que isso conta de nós? O que isso conta de meus amigos – aqueles mais próximos, em que eu super confio e amo? O que isso conta, principalmente, de mim? Porque eu sei que meu silêncio não vinha de um lugar de ódio consciente ou de desejo intencional de discriminar o outro. Eu sempre me achei um cara minimamente legal. Assim como adoro as pessoas das minhas redes de clientes e amigos. E sinto que é esse um dos medos que nós, brancos, temos. Especialmente quem não se acha racista. Atravessar o medo de sentir do lado dos vilões, sendo que a gente se esforça tanto para se ver como mocinho.

 

E poucos de nós estão se mostrando dispostos a atravessar completamente esse rio. Uns nem entram nele. Outros vão até a metade, e voltam cheios de racionalização, de diferentes tipos: cada um vence por seu mérito, cada um tem seu carma, racismo reverso, leva tempo, desigualdade sempre vai ter, preconceito no Brasil é de classe e não de raça, somos todos iguais, no nível espiritual não tem cor, o importante é olhar para dentro, mude a si mesmo que o mundo muda a sua volta (significando que mudar a estrutura social é segundo plano), cada um recebe o que precisa, cada um tem a constelação familiar que precisa e por aí vai.

 

Como muitos textos que li nos últimos dias têm apontado, está mais do que na hora de olharmos para o William Waack em nós.

 

PS: sobre a questão do silêncio mencionada acima, sugiro:

https://www.geledes.org.br/caro-amigo-branco-voce-me-da-um-soco-de-dentro-para-fora/

https://www.youtube.com/watch?v=6JEdZQUmdbc&list=PLwafOz5Kslhvog-6SoYAxloVF4bF_nrSf&index=14 (Precisamos romper com os silêncios, Djamila Ribeiro)

 

 

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