Estruturas de Poder – Desqualificação do outro (primeira parte)

Desenvolvemos, como humanos, uma estratégia básica para lidar com nossa vulnerabilidade: acumular poder. Mesmo que não aplaque plenamente nossa angústia, sentirmo-nos poderosos perante o outro nos traz uma (frágil) sensação de segurança. Com o tempo, criamos diversas variáveis dessa estratégia, que fazem parte de nosso cotidiano sem que percebamos. É sobre elas que discorre a série de textos que inicio agora.

 

Uma maneira simples de acumular poder é desqualificar o outro. Quem é desqualificado perde força, e quem desqualifica ganha. Algumas maneiras comuns:

 

  • Banalizar o discurso: dar a entender que o conteúdo que o outro traz é simplório, batido, sem brilho, clichê, desinteressante, irrelevante. Quem detém conhecimento formal, por exemplo, costuma se valer desse recuso, para fazer o outro se sentir superficial e sem bagagem intelectual.

 

  • Infantilizar o outro: tentar mostrar que o outro está sendo movido por impulsos imaturos, que seu discurso é emocional, sem racionalidade, ou movido por padrões psicológicos primários. Muito usado por quem acredita estar num estado mais evoluído, por seu nível de autoconhecimento ou espiritualidade, ou mais maduro intelectualmente.

 

  • Usar das credenciais: valer-se de formação e certificação (ou de estar próximo de figuras eminentes) para comprovar que a narrativa do outro carece de fundamento intelectual ou científico, ou que é não-profissional, e que, portanto, não merece ser ouvida. Comum entre os que têm vaidade acadêmica ou estão autocentrados em seus privilégios, a ponto de não perceberem que a credencial é apenas um símbolo de um conhecimento dominante – e não de todo o conhecimento válido.

 

  • Desmascarar o outro: abusar do contraponto ao discurso do outro, fazendo-o de maneira a parecer que se está trazendo a antítese final e inquestionável do que o outro disse – e que, portanto, o desmascarado é ignorante e o desmascarador é inteligente, pois viu o que ninguém estava vendo. Geralmente vem com uma metralhadora de argumentos que também são passíveis de contraponto, mas por seu tom categórico, parece que não são.

 

  • Questionar a integridade: já bem conhecido em suas variantes “calúnia” e “difamação”, trata-se tão simplesmente de jogar dúvida sobre o caráter ou as boas intenções do outro. Vem na versão explícita e sutil, que apenas planta uma semente de desconfiança. Quem é mal intencionado jamais poderia oferecer algo relevante. Muito usado recentemente, após o extermínio de Marielle.

 

  • Atacar o outro: a tática mais básica, na qual os xingamentos são arma recorrente. Ao fazer o outro dobrar-se pelo peso da violência moral, psicológica ou física, ganha-se (aparentemente) poder.

 

Como estamos usando a desqualificação das pessoas de nossas redes e comunidades para nos sentir poderosos perante o outro? E que bem (ou mal) isso está fazendo para nós e para o mundo?

 

ADVERTÊNCIA: esse texto pode facilmente ser usado para desqualificar o outro. Não faça isso!

 

 

 

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