Oração

Entro na sala de meditação da minha casa.

Agradeço o violão encostado na parede.

Agradeço a graça de tocar a sua música.

De ser banhado com melodias,

E não com o ronco dormente

Das ruas congestionadas.

Toco e canto acompanhado por minha esposa.

Agradeço a graça de ter uma companheira.

Agradeço o vínculo verdadeiro,

E a benção de ser recebido com o

Coração vazio e a

Alma clara,

E não com as cobranças de uma relação

Baseada no medo, na projeção e na carência.

Sento para meditar.

Agradeço o dom do silêncio.

Agradeço por poder me alimentar dele,

Tanto quanto do pão, da sopa e do suco.

Por ser invadido e limpo pelo

Oco criativo da alma,

E não pelos estímulos do consumo desenfreado.

Encontro, em mim, um Deus divino, imutável.

Agradeço o presente da devoção.

Agradeço poder amar mais que o coração suporta.

Ser iluminado pelo todo que habita em mim,

E sentir que estou seguro e amparado,

Que sou importante por existir,

Em vez de lutar ansioso pela sobrevivência,

Tentando inutilmente ser maior e melhor, a cada dia,

Para provar que importo.

Uma lágrima escorre do meu olho.

Agradeço a beleza do encontro.

Agradeço poder me unir ao eterno, a mim e ao outro.

Poder levantar-me do meu silêncio para, mãos em prece,

Entregar-me inteiro a meu criador, e ao universo, e assim

Retornar a um dia a dia mágico,

E não me debater em agonia,

Por ter de voltar ao sacrifício

De uma vida sem sentido.

Levanto-me, e meus olhos encontram o sol.

Agradeço o dia.

Agradeço o tempo, com todos os seus matizes.

O sol que aquece minha face é tão reconfortante,

Quanto a chuva que alimenta os rios de minha sede,

E o cinza que me tira da euforia, e me traz mais perto

De mim.

Que alegria poder celebrar a natureza,

Em vez de lutar contra ela,

Como se fosse um inimigo constante e imprevisível.

Olhos fechados, vejo e sinto imagens de sofrimento pelo mundo.

Agradeço os que não me deixam sossegar.

Agradeço os que apontam minhas incoerências de quem tem tudo,

Enquanto outros quase não têm.

Aqueles que apontam meus privilégios, meus apegos,

Me mantêm acordado e vigilante para querer ser feliz

Servindo o próximo e compartilhando a abundância,

Caindo, se possível, cada vez menos,

Na felicidade autoindulgente e aristocrata

De quem não sai do próprio umbigo.

Repouso no meu espírito.

Agradeço o conhecimento, a sabedoria e a entrega.

Agradeço poder ter recursos para me mexer – aqui dentro e lá fora.

Saber que pelo diálogo, pela palavra, pela arte, pelo exemplo,

Ou por qualquer outro dom que me for dado,

Posso crescer na minha capacidade de ser quem sou

E de ser parceiro do outro e do mundo, para serem quem são.

Respiro aliviado por não estar impotente, nem indiferente,

Diante do que sei que pode e deve mudar.

Escrevo esta oração.

Agradeço a palavra do ser humano.

Agradeço a inspiração divina.

Sentir essa união entre terra e céu,

Entre um e todo,

E a nossa capacidade de partilhar o dom,

É tão mais gostoso

Que padecer eternamente

Da falta de beleza que nos rouba

A graça de viver este momento.