Ser pai num mundo capitalista

Carrego comigo uma dor. De ser pai num mundo capitalista, desigual, que coloca o trabalho e o dinheiro como centro da vida.

Parte desse dor é de me sentir vítima. Porque eu gostaria que a família fosse o eixo e o trabalho orbitasse em torno dela – e não o contrário. Que a cultura gerasse mais home office, menos horas de trabalho, mais integração das crianças nas reuniões e no cotidiano profissional, mais autonomia e liberdade sobre como equilibrar o tempo dedicado a produzir e a simplesmente existir, mais abundância compartilhada de recursos, para podermos escolher nos dedicar à poesia e ao espírito, porque o pão já está ganho.

Mas a cultura coloca creches na empresa. Para trabalharmos mais. Yoga no escritório. Para aguentarmos mais o tranco. Vale-se das tecnologias que deveriam liberar nosso tempo para nos fazer render mais, no mesmo tempo de antes. Ou até num tempo maior, pois essa mesma tecnologia permite que o trabalho invada nossa casa, nosso fim de semana e nosso tempo de férias.

Essa cultura em torno do trabalho está inculcada na minha mente como a culpa de não estar sendo produtivo, como medo de perder o bonde do sucesso, que me faz achar razoável deixar minha bebê falando sozinha, reclamando atenção, para que eu possa dar conta de minhas responsabilidades. E que isso até bom para ela, para que não cresça mimada, e eu não me torne um pai meloso e apegado.

A outra parte dessa dor é de me sentir algoz. Pois essa realidade que eu descrevi acima, que já me parece tão dura, é luxo da minha origem classe média. Dos meus privilégios, que incluem ser homem e branco. Pois há uma massa de gente que nem sonha em creche na empresa. Que ainda está lutando pela vaga na creche local, pública, para poder deixar o filho de manhã, pegar duas horas de condução, ir trabalhar por um salário que, para ser digno de ser chamado de mínimo, ainda tem que crescer muito, e ainda enfrentar durante o cotidiano uma série de opressões sociais. E se a realidade deles é assim, eu tenho uma parte nessa história.

Como chorar a dor de não poder ofertar o melhor de mim como pai, devido a um sistema focado no trabalho e no capital, quando o que eu tenho já é repleto de luxos dos quais uma esmagadora maioria não desfruta?

Essa percepção, ao menos, me traz uma certeza: se até quem está bem, está mal, é porque, de fato, o sistema está todo errado. E se uma boa parte dessa gente que supostamente está bem, acredita nisso (pois comprou o discurso da supremacia do trabalho sobre a família, e de tudo que vem dentro desse pacote), é porque o sistema é errado e perverso, pois nos torna defensores de nossa própria escravidão. E se essa gente aí (da qual faço parte) ainda não entendeu a gravidade que é essa imensidão de gente com muito menos privilégios que nós, é porque o sistema é errado, perverso e psicopata, pois perdeu a capacidade de empatia.

Como despertar desse sonho e acordar para uma cultura onde sentimos o trabalho apoiando nossa vida em família, e não nos roubando dela?

 

 

 

 

 

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