A maternidade/paternidade é estressante?

Confesso que me inquieta o uso do verbo “ser” para definir as coisas. Quando algo “é”, significa que ele se mantém assim independente das condições. Uma árvore é uma árvore mesmo se cortada ao meio, se bem ou mal cuidada, ou se vive espremida numa calçada de avenida ou no espaço amplo duma floresta.

 

Se ser pai ou mãe é estressante, esse estado se mantém independente de suas condições. Mas não é o que percebo. A partir de tantas experiências vividas por mim ou por pessoas próximas, e de tantos relatos lidos e assistidos, vejo que o estresse da paternidade – e, em especial, da maternidade – muda muito, a depender das condições.

 

Claro que, para isso, precisamos concordar com a definição de estresse. Ter um filho certamente enche nossa vida de mais estressores, aumentando regularmente a adrenalina do nosso corpo (e, com ela, o entusiasmo, a aventura) e, ocasionalmente, o cortisol (e, com ele, a ansiedade, o medo, a raiva).

 

Entretanto, falo aqui do “estresse negativo”, que é ativado pela ameaça a nosso instinto de sobrevivência, que, quando vivido regularmente, aumenta significativamente o nível de cortisol do corpo, com todas as consequências que isso traz. Esse é o estresse que, em médio e longo prazo, gera doenças físicas, emocionais e mentais.

 

O que escuto dentro de mim e ao meu redor é que:

 

  • É estressante não ter condições financeiras para dar condições mínimas de conforto ao filho e à família. De sentir que nosso filho pode ser vítima da violência, ou aderir à estrutura da violência (pelo crime, por exemplo), por falta de recursos ou por osmose da estrutura em que está inserido. Então, o que estressa é a pobreza.

 

  • É estressante não ter acesso a melhorar essas condições, ou de não ter um lugar de reconhecimento e pertencimento na sociedade, por ser negro, homoafetivo, deficiente, mulher ou pobre. E, com isso, sentir-se ameaçado e não respeitado o tempo inteiro, como pai ou mãe. Então, o que estressa é o preconceito e a estrutura de privilégios.

 

  • É estressante se sentir sobrecarregada, invisível, não valorizada, usada, entre outras crueldades, só por ser mulher, e com isso não receber apoio social para a função de maternar. Especialmente quando se é mãe solteira, ou num casamento violento. Bem como é estressante ter de ser o provedor o tempo inteiro, por ser homem, mesmo às custas de não estar com o filho. Então, o estressante é o machismo.

 

  • É estressante sentir que o trabalho vem primeiro, e que é preciso abandonar a cria antes do que se tem vontade, nas mãos de alguém que, no fundo, não se gostaria de deixar. Ou que é preciso apressar a introdução alimentar, pois não vai dar para ficar perto e amamentar. E que isso é para o “bem” da criança e dos pais, que teoricamente vão criar filhos menos “apegados”. Então, o estressante é o capitalismo.

 

  • É estressante sentir-se sem recursos para mediar conflitos no casamento e lidar com as emoções evocadas pelo nascimento de uma criança, ou inseguro para seguir nossas intuições, porque não aprendemos com regularidade e profundidade a gerenciar emoções e facilitar diálogos. Pois nosso modelo educacional não prioriza o desenvolvimento da autonomia e da inteligência emocional. Então, o estressante é a nossa falta de educação emocional.

 

  • É estressante sentir a cobrança por ser o pai e a mãe perfeitos, sendo que por natureza isso já seria impossível, e ainda mais com todas as pressões já citadas acima. Isso não é algo inerente ao humano (enquanto traço social predominante), mas algo específico desta época, desta cultura pós-moderna, que hiper valoriza o individualismo, a meritocracia, a felicidade comercial de margarina, e que é reforçada o tempo inteiro pela mídia. Então, o estressante é a cultura pós-moderna.

 

  • É estressante criar uma criança em apartamentos apertados, em cidades poluídas, com muito trânsito, com pouco verde, com muito tempo no trânsito, com pouco espaço para a vitalidade comunitária e o uso comum de espaços públicos. Então, o estressante é a gentrificação dos espaços e a urbanização desenfreada das cidades.

 

  • É estressante viver tudo isso sentindo que os grandes do poder público e privado não se importam o suficiente para fazer mudanças estruturais, mas que ou seremos ignorados, ou iludidos com mudanças pontuais. Sentir-se impotente diante de uma máquina muito maior que nós é muito estressante. Olhar para nossos filhos e pensar “não tem jeito, é assim que as coisas são e eu não tenho poder para mudar” é arrebatador. Então, o que estressa é a corrupção e a sociopatia institucional.

 

Claro que cada item desse pode ser mais ou menos estressante para diferentes pessoas. Mas o fato é que eu conheço muitas pessoas (entre elas eu mesmo) que vive a paternidade ou maternidade sem alguns desses estresses. Por privilégios herdados, por sorte, por esforço pessoal. Por diferentes motivos. E para cada item tirado da lista, o resultado é uma paternidade e/ou maternidade mais leve. Prazerosa. Natural.

 

Ser pai ou mãe é, de fato, estressante? Ou estamos repetindo esse discurso para retirar nosso olhar dos verdadeiros problemas? Para transferir responsabilidade? Para fechar os olhos para as feridas que, se vistas, geram muito dor mas, ao mesmo tempo, a força necessária para agir?

 

A quem interessa sustentar esse discurso? Qual a engrenagem que o sustenta?

 

Quem está ganhando com isso?

 

Alguém ganha?

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